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Foto do escritorOdir Pedroso

Em Dourados, 155 mulheres pediram medidas de proteção na pandemia


Dados do Ministério Público Estadual apontam que em Dourados 155 mulheres pediram medidas de proteção durante a pandemia. Apesar de menor, se comparado com o mesmo período do ano passado (413), isso não quer dizer que a violência diminuiu, pelo contrário. De acordo com o promotor de Justiça Izonildo Gonçalves de Assunção Junior, o isolamento social, imposto pela pandemia aumenta a fronteira para o pedido de ajuda. De janeiro até o último dia 27, 498 mulheres foram vítimas de violência, segundo dados da Polícia Civil. Em entrevista ao O PROGRESSO, o promotor detalha como a sociedade pode ajudar as vítimas confinadas com os algóz.

O PROGRESSO: A ONU tem alertado para o aumento de casos de violência doméstica mesmo quando os dados oficiais mostram o contrário. O senhor concorda? Por quê?

Izonildo: A violência doméstica e familiar contra a mulher é um fenômeno que ocorre no mundo inteiro. Sabe-se que uma a cada três mulheres em idade reprodutiva sofreu violência física ou sexual cometida por um parceiro íntimo durante a vida. Além disso, num cenário extremamente grave e persistente, grande parte dos homicídios contra mulheres motivados por violência doméstica ou discriminação de gênero são praticados pelos parceiros, atual ou ex.

Dessa forma, o isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19 vem revelando indicadores preocupantes sobre o aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher. O Secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, exigiu medidas para combater "o horrível aumento global da violência doméstica". Nesse aspecto, lembrou que "para muitas mulheres e meninas, a ameaça parece maior onde deveriam estar mais seguras: em suas próprias casas".

Nesse ambiente novo e dramático de pandemia, o isolamento social leva as pessoas a uma coexistência forçada, ao estresse econômico, a ansiedade e até mesmo ao pânico. É preciso considerar, no entanto, que embora as evidências a respeito dos impactos do isolamento sobre a violência doméstica e familiar sejam prematuras, notícias divulgadas na mídia e relatórios de organizações internacionais apontam para o aumento desse tipo de violência.

Como exemplo desse fenômeno, na China, os registros policiais de violência doméstica triplicaram durante a epidemia. Na Itália, na França e na Espanha também foi constatado aumento na ocorrência de violência doméstica após a implementação da quarentena domiciliar obrigatória.

No Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entre os dias 1º e 25 de março, houve crescimento de 18% no número de ocorrências registradas pelos telefones "Disque 100" e "Ligue 180".

Dos 3.739 homicídios de mulheres em 2019 no Brasil, 1.314 (35%) foram categorizados como feminicídios. Isso equivale a dizer que, a cada sete horas, uma mulher é morta pelo fato de ser mulher. Ao analisar o aspecto vínculo com o autor, revela-se que 88,8% dos feminicídios foram praticados por companheiros ou ex-companheiros. Assim, é comum que as mulheres estejam expostas ao perigo enquanto são obrigadas a se recolherem ao ambiente doméstico.

Lutar contra a máxima popular "em briga de marido e mulher, não se mete a colher" é um desafio urgente à nossa sociedade. O sentimento de posse do homem sobre a mulher e a naturalização da violência cotidiana, especialmente a invisibilização da violência simbólica10 sofrida por nós, têm em comum as raízes de uma sociedade patriarcal, androcêntrica e misógina. Desfrutar o lar como um ambiente seguro, de descanso e proteção deveria ser um direito básico garantido, mas na prática ainda é um privilégio de classe e de gênero. Globalmente, assim como no Brasil, durante a pandemia da COVID-19, ao mesmo tempo em que se observa o agravamento da violência contra a mulher, é reduzido o acesso a serviços de apoio às vítimas, particularmente nos setores de assistência social, saúde, segurança pública e justiça. Os serviços de saúde e policiais são geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas de violência doméstica com a rede de apoio. Durante a pandemia, a redução na oferta de serviços é acompanhada pelo decréscimo na procura, pois as vítimas podem não buscar os serviços em função do medo do contágio.

Para contornar essas dificuldades e acolher as denúncias de violência doméstica e familiar, o MMFDH lançou plataformas digitais dos canais de atendimento da ONDH: o aplicativo Direitos Humanos BR e o site ouvidoria.mdh.gov.br, que também poderão ser acessados nos endereços disque100.mdh.gov.br e ligue180.mdh.gov.br. Por meio desses canais, vítimas, familiares, vizinhos, ou mesmo desconhecidos poderão enviar fotos, vídeos, áudios e outros tipos de documentos que registrem situações de violência doméstica e outras violações de direitos humanos.

Contudo, o enfrentamento à violência contra a mulher no contexto da pandemia não pode se restringir ao acolhimento das denúncias. Esforços devem ser direcionados para o aumento das equipes nas linhas diretas de prevenção e resposta à violência, bem como para a ampla divulgação dos serviços disponíveis, a capacitação dos trabalhadores da saúde para identificar situações de risco, de modo a não reafirmar orientação para o isolamento doméstico nessas situações, e a expansão e o fortalecimento das redes de apoio, incluindo a garantia do funcionamento e ampliação do número de vagas nos abrigos para mulheres sobreviventes. As redes informais e virtuais de suporte social devem ser encorajadas, pois são meios que ajudam as mulheres a se sentirem conectadas e apoiadas e também servem como um alerta para os agressores de que as mulheres não estão completamente isoladas. Em países como França e Espanha, as mulheres vítimas de violência têm buscado ajuda nas farmácias, usando palavras de código para informar sobre a situação de violência11. Para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher no contexto da pandemia, todas as estratégias citadas são válidas e complementam-se.

O isolamento social nesse momento é imprescindível para conter a escalada da COVID-19 no Brasil e, assim, minimizar a morbidade e a mortalidade associadas à doença. O Estado e a sociedade devem ser mobilizados para garantir às mulheres brasileiras o direito a viver sem violência. Embora estejam alijadas aos processos de tomada de decisão, as mulheres são a maioria da população brasileira e compõem a maior parte da força de trabalho em saúde. Logo, elas têm papel fundamental para a superação da pandemia e de suas graves consequências sanitárias, econômicas e sociais.

Em Dourados houve um acréscimo de violência contra a Mulher durante a pandemia? No início do isolamento social, houve uma diminuição significativa na quantidade de registros de ocorrência e pedidos de medidas protetivas em Dourados. Esse fato pode ter sido causado pelo impacto inicial das medidas sanitárias e a impossibilidade de as mulheres saírem de suas casas. Na verdade, não é possível saber ao certo o que de fato ocorreu nesse período. No entanto, nas últimas semanas, os registros de ocorrência aumentaram, bem como os pedidos de medidas protetivas de urgência. Houve um ligeiro aumento, também, das prisões em flagrante pela prática de crimes em situação de violência doméstica e familiar contra mulher.

Quais os principais motivos da violência doméstica durante a pandemia? O tema, por ser novo, ainda será muito estudado e debatido por especialistas de várias áreas científicas. E, por isso, não há uma resposta pronta e acabada para todas as questões referentes ao inédito fenômeno sanitário, social, econômico e político que vivenciamos. Todos nós ainda estamos perplexos – e perdidos - com as mudanças radicais a que fomos submetidos com o surgimento inesperado da pandemia da COVID-19. Mas é preciso considerar que, no isolamento, a possibilidade de as mulheres serem vigiadas e controladas pelos parceiros agressores são bem maiores, o que aumenta a fronteira de ação para a manipulação psicológica. Além disso, a diminuição ou a perda de renda, o desemprego e o acúmulo de tarefas domésticas, uso de álcool e/ou substâncias entorpecentes, além da paralisação das escolas e creches, repercute drasticamente na vida das famílias, servindo de gatilho para comportamentos violentos. Nesse cenário crítico, a desigual divisão de tarefas domésticas - que sobrecarrega especialmente as mulheres casadas e com filhos -, evidencia como o ambiente doméstico é mais uma esfera do exercício de poder masculino. Na maioria das vezes, a presença dos homens em casa não significa cooperação ou distribuição mais igualitária das tarefas domésticas, mas escancara uma sobrecarga do trabalho das mulheres, sobretudo pela presença de mais pessoas no ambiente. 4) O fato de muitas crianças estarem em casa e presenciarem situações de agressões também preocupa? Infelizmente, a tão propagada segurança do lar não é garantia de proteção. Muitas crianças estão expostas ao aumento de tensões nas relações familiares em virtude, por exemplo, da crise econômica, do estresse e de um maior consumo de bebidas alcoólicas. Nesse aspecto, por ter alterado a nossa forma de viver, um dos efeitos mais condenáveis do isolamento em razão da pandemia da COVID-19 é o aumento da violência e do abuso infantil. Não bastasse o risco de contrair o vírus, com o isolamento social as crianças, adolescentes, mulheres e idosos podem ficar mais expostos a situações de vulnerabilidade. No Brasil, essa interrupção na vida cotidiana fez com que crianças e adolescentes perdessem o contato com adulto


s protetores. Dados do Disque 100, canal de denúncia do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, já revelam aumento da violência doméstica durante o período de isolamento social. Além disso, o uso em larga escala das plataformas digitais e a ampliação do tempo online também podem deixar crianças e adolescentes mais expostos a violações, como o aliciamento (contato através de meios digitais para fins sexuais), acesso a pornografia, cyberbullying, entre outros.

Qual o amparo das mulheres em Dourados que são vítimas de violência doméstica durante a pandemia?

Apesar das medidas sanitárias rígidas adotadas pelas autoridades públicas, as mulheres vítimas de violência têm à disposição todos os mecanismos de proteção. As vítimas ou familiares podem procurar a Delegacia de Atendimento à Mulher para registrar ocorrências de crimes e/ou contravenções; em caso de risco iminente à vítima, deve a mesma requerer a adoção de medidas protetivas de urgência que, caso descumpridas pelo agressor, o levará à prisão; a Autoridade Policial ou o Ministério Público podem representar pela prisão preventiva dos agressores. Enfim, apesar de algumas restrições, como a realização de audiências presenciais, toda a rede de atendimento está disponível à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Importante enfatizar, ainda, a possibilidade de registro de Boletim de Ocorrência (BO) pelas redes sociais (www.pc.ms.gov.br), o "Ligue 180", Ouvidoria do Ministério Público Estadual, Polícia Militar (190) e Defensoria Pública Estadual.

Qual o papel do Ministério Público? A Lei 11.340/2006, mais conhecida por Lei Maria da Penha, outorgou ao Ministério Público "poderes" mais singulares e abrangentes em defesa das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Cabe ao Ministério Público combater e enfrentar o fenômeno crescente da violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, assegurando, cada vez mais, os direitos humanos às mulheres. O Ministério Público tem por objetivo acompanhar a implementação de políticas públicas de promoção da igualdade, especificamente na conscientização sobre os efeitos pessoais e sociais maléficos da violência doméstica e familiar contra a mulher e no reconhecimento de seus direitos e garantias. Dentre as suas atribuições, estão: o levantamento de estatísticas e disponibilização de dados para o acesso da sociedade; participação no gerenciamento de projetos e atividades realizadas em parceria com outras instituições; fomentar programas junto a órgãos governamentais e não governamentais; e, acompanhar os projetos de lei relacionados ao exercício de atribuições ministeriais na defesa das garantias dos direitos humanos. O Ministério Público é uma instituição reconhecida pela Constituição Federal de 1988, com atribuições legais e específicas advindas da Lei Maria da Penha e órgão dotado da confiança da sociedade, que se vale de todos os meios necessários, judiciais e extrajudiciais, para contribuir com a erradicação e a prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.

Como ajudar as vítimas que muitas vezes estão confinadas com os seus agressores? As vítimas de violência doméstica e familiar precisam denunciar os seus agressores. Ainda que seja difícil, dependendo dos fatores de risco, é preciso que a vítima procure ajuda. Há meios legais para que isso ocorra, como a possibilidade de registro de Boletim de Ocorrência on line. É importante frisar que qualquer pessoa pode denunciar a ocorrência de violência doméstica, acionando as autoridades competentes, mantendo-se o anonimato. Aliás, muitas mulheres são agredidas e assassinadas porque os familiares e/ou vizinhos não querem se intrometer em briga de casal. Infelizmente, em se tratando de violência doméstica e familiar, agressores e vítimas possuem relação bem próxima, por isso é necessário maior atenção e cuidado por todos nós.

Considerações "Quando estamos confinados, perdemos a nossa rotina, reduzimos a nossa atividade física e, em caso de quarentena, as pessoas podem ser vítimas de stress pós-traumático, irritabilidade, angústia e insônia", explica Chee Ng, professor de psiquiatria da universidade de Melborne e colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS). "O confinamento gera um sentimento de incerteza, de tédio e de solidão. E quanto mais longo, mais importantes são as repercussões na saúde mental". "Entramos em um novo período de sofrimento social"

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